Quem nunca pensou em abrir um negócio? Muitas pessoas que querem mudar
de vida e se tornar seu próprio chefe recorrem à franquia para realizar
esse sonho. De acordo com um estudo feito pela Associação Brasileira de
Franchising (ABF), o segmento de franquias no Brasil cresceu 16,9% em
2011, atingindo o faturamento de mais de R$ 88 bilhões. Atualmente,
representa 2,3% do PIB nacional.
Para a ABF, o setor cresceu um pouco mais do que o esperado. Além disso,
o bom momento da economia nacional e o aumento da renda da população
foram os principais motivos dessa alta.
A franquia é uma modalidade de negócio comercial que envolve a
distribuição de produtos ou serviços, mediante condições estabelecidas
em contrato, entre franqueador e franqueado. Em expansão no paÃs, a
modalidade comercial envolve a concessão e transferência de marca,
tecnologia, consultoria operacional, produtos ou serviços.
No Brasil, a modalidade se iniciou em 1960, com escolas de idiomas. Até o
inÃcio dos anos 80, a franquia esteve concentrada em áreas tradicionais
como distribuição de veÃculos, combustÃveis e engarrafamento de
bebidas.
Em 1992, quando o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI)
passou a reconhecer e autorizar a entrada de marcas internacionais no
Brasil, o mercado foi aberto à competição nacional. Por essa razão,
criou-se a Lei 8.955/94, que é responsável pelos assuntos de franchising no paÃs.
De modo geral, as franquias oferecem inúmeras vantagens, mas os
desentendimentos entre franqueadores e franqueados podem acabar parando
na Justiça. Muitos desses impasses chegaram ao Superior Tribunal de
Justiça (STJ). Veja alguns casos julgados sobre o tema.
CDC
O contrato de franquia é essencialmente uma figura de comércio,
celebrado entre comerciantes para o fornecimento de produtos e serviços
para terceiros, estes sim os destinatários finais. Portanto, as
disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC) não se aplicam aos
franqueados.
Seguindo esse entendimento, o STJ não tem aplicado aos contratos de
franquia as regras do CDC. Para o Tribunal, a relação entre o
franqueador e o franqueado não está subordinada ao CDC, pois há uma lei
especial que define a formação do contrato e as condições prévias da
contratação.
Por essa razão, a Quarta Turma manteve decisão do Tribunal de Justiça de
Alagoas que referendou o juÃzo da comarca de Brusque (SC) como foro
competente para julgar e processar ação de rescisão contratual com
pedido de indenização, movida por seis empresas franqueadas contra a C.
Indústria e Comércio de Vestuários Ltda. (REsp 632.958).
A Turma, seguindo voto do relator, ministro Aldir Passarinho Junior,
concluiu que o foro competente para processar e julgar esse tipo de ação
é aquele livremente escolhido pelas partes.
No caso, as franqueadas queriam que a ação fosse processada na comarca
de Maceió. Alegaram que a competência do foro de Brusque não foi
devidamente informada no contrato e que houve desrespeito ao princÃpio
da boa-fé. Sustentaram que, por se tratar de contrato de adesão, o foro
competente seria o lugar onde a obrigação deve ser satisfeita.
A C., por sua vez, argumentou que as franquias firmadas em 1998 foram
renovadas inúmeras vezes com o comparecimento dos litigantes à cidade de
Brusque (sede da empresa); que as empresas franqueadas nunca
questionaram a validade do pacto celebrado entre as partes, e que o
contrato de franquia não se assemelha a contrato de adesão.
Ao analisar a questão, o relator destacou que, ao contrário do alegado,
as empresas franqueadas não se enquadram como destinatárias finais do
produto. Para ele, franqueado não é consumidor, pois sua situação é bem
diferente da conceituação contida nos artigos 2º e 3º do CDC, de modo
algum se enquadrando como destinatário final. Da mesma forma, a
franquia, em si, não pode ser entendida como espécie de produto ou
serviço.
Inglês
Em outro caso, a Quarta Turma manteve decisão que condenou franqueados
da Rede W. a se absterem do uso da marca, da reprodução de livros
didáticos e de materiais para professores, bem como ao ressarcimento
pelos danos gerados (REsp 695.792).
Os franqueados da escola de lÃnguas, concomitantemente, constituÃram
nova franquia intitulada W. Franchising, cujo material didático
utilizado seguia a mesma linha pedagógica e idêntica estrutura
metodológica da W..
O colegiado, seguindo entendimento do relator, ministro Luis Felipe
Salomão, manteve a decisão da Justiça paranaense por entender que a
relação principal da questão dizia respeito ao contrato de franquia
celebrado entre a W. Brasil e os franqueados, sendo o vÃnculo jurÃdico
estabelecido diretamente com os segundos, sem nenhuma ligação com a
primeira.
Hamburguer
Ao julgar o REsp 818.799, o STJ manteve decisão do tribunal paulista que
condenou a empresa Jack Alimentos e Medicamentos Ltda. a indenizar, por
danos morais, a B. Indústria e Comércio Ltda.
No caso, a Jack, que tinha a franquia de seis estabelecimentos B. na
cidade de São Paulo, descumpriu termos previstos no contrato em caso de
rescisão, após o fim do acordo de franquia do uso das marcas, logotipos e
sistemas de produção e venda do B..
Segundo dados do processo, a franqueada descumpriu cláusula de obrigação
de não atuar no negócio explorado pela B. no perÃodo de 18 meses após o
término da franquia, num raio de 20 quilômetros do local em que ficava o
restaurante. A cláusula tinha por objetivo a proteção da marca.
Após refletir sobre o caso, o relator, ministro Castro Filho, manteve a
indenização ao B. por danos morais, mas negou o pedido de danos
materiais. Mesmo ressalvando que, em regra, ?o descumprimento de
disposição contratual, por si só, não enseje reparação a tÃtulo de dano
moral?, o ministro observou que a decisão da Justiça paulista havia
considerado que, na hipótese, a operação dos estabelecimentos como se
fossem B. implicava ?sério risco à imagem e ao nome da autora?.
Churrascaria
Em outro julgamento também envolvendo produto de marca e franqueada, a
Terceira Turma manteve decisão que permitiu à Churrascaria P. Ltda.
realizar a busca e apreensão de todo material ou produto da Z. Alimentos
e Bebidas Ltda., que ostentasse sinais ou marcas da Porcão (Rcl 1.554).
A decisão é do ministro Castro Filho, que atendeu ao pedido da empresa.
Em agosto de 2000, a churrascaria propôs ação contra a empresa de
alimentos, na comarca do Rio de Janeiro. O objetivo era receber valores
decorrentes do descumprimento do contrato de franquia estabelecido entre
as partes, além de obrigar a franqueada a cumprir as cláusulas
estabelecidas em caso de rescisão do contrato. Uma liminar foi concedida
pelo juiz, determinando a busca e apreensão.
A Z., no entanto, ajuizou ações na Bahia, pedindo a nulidade do contrato
de franquia ou sua rescisão. A empresa pretendia a liberação das
obrigações perante a churrascaria e a autorização de utilizar seu
estabelecimento comercial sem quaisquer restrições impostas em
decorrência da rescisão do contrato de franquia. Por fim, pediu a
condenação da franqueadora ao pagamento de indenização pelos danos
sofridos.
Com decisões diferentes, uma em cada estado, um conflito de competência
foi instaurado entre o juÃzo da 2ª Vara da comarca da capital do estado
do Rio de Janeiro e o juÃzo da 22ª Vara CÃvel de Salvador. Ao julgar o
conflito, a Segunda Seção do STJ decidiu que a competência era do juiz
de direito da comarca do Rio de Janeiro.
Na ocasião, o relator do conflito, ministro Carlos Alberto Menezes
Direito, afirmou que, ?sopesadas as circunstâncias, atentando-se, ainda,
para o expressivo valor da franquia (R$ 300 mil), o que revela ser a
franqueada empresa de considerável porte, entendo que deve prevalecer o
foro eleito pelas partes, não se justificando a intervenção para
declarar a nulidade da cláusula em questão?.
Assim, o juiz do Rio de Janeiro tornou sem efeito a liminar concedida
pelo juiz de Salvador à Z. e confirmou a concedida à churrascaria.
Expedida carta precatória, a empresa de alimentos entrou com mandado de
segurança pedindo, em liminar, a suspensão da ordem. O Tribunal de
Justiça da Bahia concedeu, sustando o ato, até a publicação da decisão
sobre a competência tomada pelo STJ.
A churrascaria protestou. Após vários pedidos para que fosse permitido o
cumprimento do mandado de busca e apreensão, o Porcão entrou com
reclamação no STJ, pedindo liminarmente a suspensão da liminar concedida
no mandado de segurança. Alegou que estava plenamente configurado o
desrespeito à decisão da Segunda Seção no conflito de competência.
Ao analisar a questão, Castro Filho concordou: ?Afiguram-se presentes os
requisitos para a suspensão do ato impugnado, na forma do artigo 188,
II, do Regimento Interno desta Corte, mormente em razão da decisão
proferida no referido conflito.?
Processos: REsp 632958, REsp 695792, REsp 818799, Rcl 1554
Fonte: Superior Tribunal de Justiça