à regra geral no direito civil brasileiro que o causador de um dano a
outra pessoa tem a obrigação de repará-lo por meio de indenização. Se a
ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela
reparação. Mas quando o verdadeiro culpado pelo dano é alguém que não
foi atingido na ação de indenização, contra ele cabe a chamada ação
regressiva.
Com o estado não é diferente. O artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição
Federal estabelece que ?as pessoas jurÃdicas de direito público e as de
direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo
ou culpa?.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem diversas decisões sobre o tema,
nas áreas do direito público e privado. Firmou jurisprudência, entre
outras questões, sobre a obrigatoriedade de o verdadeiro culpado figurar
na ação de indenização; se é possÃvel a regressiva quando o processo
termina em acordo, e sobre como tratar o servidor público responsável
por um dano reparado pelo erário.
Erro médico
Em uma ação de indenização por erro médico, o estado do Rio de Janeiro
tentou incluir no processo ? o que se denomina denunciação da lide ? os
responsáveis pelo erro que provou a morte da paciente em hospital
público. O pedido foi negado pela Primeira Turma.
O STJ entende que a denunciação da lide a servidor público nos casos de
indenização fundada na responsabilidade civil objetiva do estado não
deve ser considerada obrigatória, pois geraria grande prejuÃzo ao autor
da ação devido à demora na prestação jurisdicional.
Esse entendimento evita que no mesmo processo, além da discussão sobre a
responsabilidade objetiva, seja necessário verificar a responsabilidade
subjetiva do causador do dano. Essa segunda análise, segundo os
ministros, é irrelevante para o eventual ressarcimento do autor.
A decisão ressalta que o direito de regresso do ente público em relação
ao servidor, nos casos de dolo ou culpa, é assegurado pelo artigo 37,
parágrafo 6º, da CF, que permanece inalterado ainda que a denunciação da
lide não seja admitida (REsp 1.089.955).
Erro médico em hospital privado
Condenada a indenizar um paciente por dano moral, no valor de R$ 365
mil, a Unimed BrasÃlia Cooperativa de Trabalho Médico ajuizou ação
regressiva contra o médico responsável pelo erro. A Justiça do Distrito
Federal julgou a ação procedente, por entender que ficou comprovada a
culpa do médico pelo dano causado.
O médico recorreu ao STJ, alegando cerceamento de defesa porque não
houve denunciação da lide na ação de indenização contra o hospital, de
forma que não teria tido a chance de se defender. Argumentou que a falta
de denunciação da lide inviabiliza a ação de regresso contra ele.
Para a Quarta Turma, está correta a decisão da Justiça distrital, que
reconheceu a desnecessidade de denunciação da lide ao médico. Segundo a
jurisprudência do STJ, a responsabilidade do hospital pelos danos
causados por profissional que nele atua é objetiva, ou seja, independe
de dolo ou culpa. O dever de indenizar decorre apenas da existência do
dano. Uma vez condenado, o hospital pode averiguar a responsabilidade
subjetiva do médico, ou seja, sua culpa, em ação de regresso.
Quanto ao prazo de prescrição da ação regressiva, a decisão ressalta que
prescreve em três anos a pretensão de reparação civil e que, em caso de
ação de regresso por quem reparou o dano contra o seu efetivo causador,
esse prazo começa a contar do pagamento da indenização (AResp 182.368).
Furto de veÃculo
Quando o veÃculo é segurado, não há dúvida: a seguradora contratada pelo
consumidor tem que indenizá-lo por furto ou roubo. Mesmo se o furto
tiver ocorrido dentro de garagem. Nas relações de consumo, onde valem as
regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC),
o STJ entende que é proibida a denunciação da lide em todas as
hipóteses de ação de regresso, conforme estabelece o artigo 88 do
código.
Num caso assim, julgado pela Terceira Turma, depois de pagar a
indenização, a seguradora ajuizou ação regressiva contra o
estabelecimento garagista, que também tinha seguro.
Na decisão de primeiro grau, a regressiva foi julgada procedente e o
dono do estacionamento teve e ressarcir, com correção monetária, os R$
42,5 mil pagos pela seguradora. Na apelação, o Tribunal de Justiça de
São Paulo julgou a ação improcedente por entender que se tratava de caso
fortuito que determina a não incidência da responsabilidade civil.
A Terceira Turma restabeleceu a sentença. Para os ministros, ?não há
como considerar o furto ou roubo de veÃculo causa excludente da
responsabilidade das empresas que exploram o estacionamento de
automóveis, na medida em que a obrigação de garantir a integridade do
bem é inerente à própria atividade por elas desenvolvida? (Resp
976.531).
Acordo judicial
Ação de indenização concluÃda com acordo judicial permite à parte
pagadora ajuizar ação regressiva para ter o valor restituÃdo pelo
efetivo responsável pelo dano. Para a Terceira Turma, a transação
homologada judicialmente tem os mesmos efeitos de uma sentença judicial.
A questão foi discutida num recurso especial da Vega Engenharia
Ambiental contra decisão que beneficiou a V. C., do Rio Grande do Sul.
De acordo com o processo, o motorista de um caminhão de lixo da Vega
desrespeitou a sinalização de trânsito e atingiu um ônibus da V.,
provocando acidente de grandes proporções. Muitas vÃtimas ajuizaram
ações de indenização contra a empresa de transporte, que fez acordos
judiciais e, depois, buscou o ressarcimento.
Segundo a decisão do STJ, na ação de regresso, o acordo funciona como
limite da indenização a ser paga, mas não vinculará o responsável final,
que pode discutir todas as questões tratadas no processo anterior que
estabeleceu a indenização (REsp 1.246.209).
Extravio de bagagem
Depois de indenizar uma passageira que tinha seguro de viagem e teve a
bagagem extraviada, a Bradesco Seguros ingressou com ação regressiva
contra a Varig LogÃstica, responsável pelo extravio. A Justiça de São
Paulo condenou a companhia aérea a pagar o valor integralmente
desembolsado pela seguradora.
A Varig recorreu ao STJ contra essa decisão, que acabou sendo mantida.
De acordo com a jurisprudência da Corte Superior, depois de arcar com a
indenização securitária, a seguradora assume os direitos da segurada,
podendo buscar o ressarcimento do que gastou, nos mesmos termos e
limites assegurados à consumidora.
A Varig queria a aplicação da Convenção de Varsóvia, que unifica as
regras de transporte aéreo internacional, inclusive trazendo valores das
indenizações. Contudo, já está consolidada no STJ a tese de que o
tratado é inaplicável no caso de responsabilidade do transportador aéreo
pelo extravio de carga. A regra válida é o CDC (Resp 1.181.252).
Carga em navio
Como visto, o STJ entende que, havendo o pagamento da indenização
securitária, a seguradora sub-roga-se nos direitos e ações que seriam do
segurado contra o autor do dano, inclusive com aplicação do CDC.
Porém, esse tratamento não se aplica ao transporte de mercadoria
acertado entre o transportador e a empresa que agrega essa mercadoria Ã
sua atividade. A relação aà não é de consumo, mas sim comercial. Nessa
hipótese, é de um ano o prazo para que a seguradora ajuÃze ação de
regresso contra a transportadora visando ao ressarcimento pela perda da
carga.
Dessa forma, a Quarta Turma considerou prescrita ação regressiva
ajuizada pela AGF Brasil Seguros contra a Mediterranean Shipping
Company, que entregou com avaria máquinas de costura industriais
importadas dos Estados Unidos. A carga foi molhada. Reformando decisão
da Justiça do Rio de Janeiro, a Turma afastou a aplicação do CDC e
julgou a ação regressiva extinta por prescrição (Resp 1.221.880).
Razoável duração do processo
A denunciação da lide é muito utilizada pelos demandados em ações de
indenização, na tentativa de evitar o pagamento e posteriormente buscar o
ressarcimento pelo efetivo responsável pelo dano em uma ação
regressiva. Contudo, frequentemente esse pedido é negado em atendimento
ao princÃpio da razoável duração do processo, previsto no artigo 5,
inciso LXXVIII, da CF.
A tese foi aplicada no julgamento de um recurso especial no qual se
buscava a denunciação da lide à União. A ação inicial é de indenização
por evicção ? perda, parcial ou total, de um bem por reivindicação
judicial do verdadeiro dono ou possuidor. Foi ajuizada por mulher que
comprou um veÃculo BMW usado.
Ao tentar vender o carro, foi impedida por existirem restrições no
Detran, por conta de irregularidades na importação do automóvel. Ela
descobriu que o carro circulava por força de liminar deferida em mandado
de segurança impetrado pela empresa importadora. O processou terminou
com indeferimento do pedido e com a revogação da liminar. O carro teve
que ser entregue à Receita Federal.
Na ação de indenização contra a pessoa que lhe vendeu o carro, a mulher
pediu a restituição de R$ 24 mil, valor pago pelo veÃculo em 2003.
Tiveram inÃcio sucessivos pedidos de denunciação da lide, pois antes de
ser da autora da ação, o carro passou pelas mãos de outros quatro
proprietários.
O recurso analisado pelo STJ é do primeiro comprador. Ele pretendia a
denunciação da lide à União, tendo em vista que a empresa importadora é
insolvente devido a diversas execuções fiscais que responde perante a
Justiça Federal. Alegou ser necessária a participação da União e sua
condenação solidária com a empresa importadora, pois teria realizado
apreensão ilÃcita, causando danos a terceiros.
Processo principal
O pedido foi negado pela Justiça estadual, o que motivou o recurso ao
STJ, requerendo que o caso fosse analisado pela Justiça Federal, por
força do que determina a Súmula 150 da Corte Superior: ?Compete Ã
Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurÃdico que
justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou
empresas públicas.?
A Terceira Turma não aplicou a súmula ao caso. Os ministros entenderam
que o litÃgio contra a União é demanda acessória, que deve ser
enfrentada em ação autônoma. Para eles, a eventual ilicitude da
apreensão do veÃculo e a legalidade dos atos do ente federal são temas
que fogem totalmente ao interesse da ação principal, onde se discute
apenas a ocorrência da evicção, pela validade dos negócios jurÃdicos de
compra e venda entre as partes.
Os ministros priorizaram o maior interesse do processo principal e do
direito fundamental das partes a um processo com razoável duração. A
decisão ressalta que a denunciação da lide só se torna obrigatória, na
forma do artigo 70 do Código de Processo Civil, na hipótese de perda do
direito de regresso, o que não é a situação do caso julgado (AgRg no
Resp 1.192.680).
Processos: Resp 1089955, AResp 182368, Resp 976.531, REsp 1246209, REsp 1181252
Resp 1221880, Resp 1192680
Fonte: Superior Tribunal de Justiça